Twisted Roots
O trabalho mais recente de Stefanie Pullin tem sido construído em torno de uma muito particular ideia de paisagem. A este facto não serão alheias as profundas marcas em si inscritas pela memória, não apenas visual mas também afectiva, da sua terra natal.
Assim, tomando como ponto de partida a estonteante diversidade paisagística que a Guatemala oferece, podemos dizer que a pesquisa plástica desta artista se constitui enquanto imagem especular dessa riqueza visual, bem como do confronto (nem sempre pacífico) de naturezas e forças diversas.
Se o projecto (apelidemo-lo assim, por agora) de produzir e/ou reproduzir imagens que, de algum modo, representam uma paisagem extremamente rica se apresenta por si só aliciante, o que dizer da inclusão (neste mesmo projecto) de um pertinente questionamento do estatuto bidimensional da pintura?
Temos então os seguintes dados:
por um lado, o ponto de partida imagético do qual Stefanie Pullin se tem servido para a construção do seu trabalho é composto por ramos e/ou troncos de árvores. A partir destes a artista elabora o que pode ser lido como a tradução para a linguagem pictórica da memória desses ramos e troncos.
Ainda que facilmente identificáveis enquanto tal (enquanto ramos e troncos de árvore), a referida operação de tradução levada a cabo pela artista não deixa de lhes imprimir um cunho pessoal que decididamente os afasta de qualquer tentação naturalista.
Por outro lado, a artista, não satisfeita com o distanciamento mimético criado pela sua particular leitura dos elementos paisagísticos já referidos, trata de apresentar a sua ideia de paisagem envolta num contínuo debate entre a representação da segunda e da terceira dimensões. Os modos encontrados pela artista para tornar visível o confronto entre a soberania do plano pictórico e o que à volta deste se passa são, também eles, diversos e visualmente muito estimulantes. A saber: pedaços de tela ou papeis que se colam à tela principal (que, desta forma, se vê obrigada a partilhar a hegemonia do espaço pictórico com as demais superfícies coladas e igualmente pintadas); janelas abertas (por vezes rasgadas) no plano e que tanto podem dar passagem ao vazio como a outros planos pictóricos que por trás deste se constituem; grades de madeira que abandonam o papel secundário que a história da pintura ocidental desde sempre lhes relegou, para passarem a figurar lado a lado com os principais intervenientes do espectáculo pictórico em curso ou ainda telas dobradas que se disfarçam de molduras.
Falámos de papeis principais, de troca de papeis, de representações. Ora, convém ainda sublinhar que no trabalho de Stefanie Pullin pulsa também a gritante presença de uma certa ideia de palco, de cenário e de teatralidade.
Não deixando de ser pintura, estas obras não se acanham de mostrar a sua vontade de serem, também, outras coisa.
Carlos Correia
2016